A
rebelião voltou
Como compreender a
greve dos estudantes da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) em
Campo Grande? Não é fácil entender um movimento social no calor dos
acontecimentos e do qual sou apoiador e, na medida do possível, participante.
Não existe ainda o necessário distanciamento histórico e isenção de ânimos para
uma análise racional e criteriosa que permita avançar na compreensão do
movimento grevista. Porém (e sempre tem um porém), entendo ser fundamental uma
análise de conjuntura que possibilite iluminar a questão. Afinal, os
professores da UEMS são chamados a uma tomada de posição. Trata-se de ser a
favor ou contra o movimento dos alunos, a greve está nas ruas, não é possível
um meio-termo.
Eis aqui a minha
primeira aproximação de análise. Espero
que o texto disperte reflexões e outras análises a favor ou contra o movimento.
O debate está aberto. Em primeiro lugar, entendo que a análise de conjuntura
não pode ficar restrita aos acontecimentos relativos exclusivamente à cidade de
Campo Grande, isto é, quais os impactos dos resultados da última eleição municipal.
Para mim, a greve estudantil, colocada na categoria, de movimento social,
possui raízes bem mais profundas.
É certo que estamos num
cantinho do mundo, o Mato Grosso do Sul, mas com a globalização e o apoio das
novas tecnologias estamos cada vez mais conectados com o mundo. Os ventos da
mudança que sopram lá também repercutem aqui.
Coloco de imediato a seguinte constatação: a rebelião popular voltou à
ordem do dia. Após um longo período de hibernação, ela voltou. Seja muito
bem-vinda. É preciso entender, participar e politizar as novas formas de
movimento social que brotam como cogumelos depois de uma noite de chuva.
Entendemos os movimentos participando e ao participar o compreendemos cada vez
mais. Não é uma tarefa fácil, como já disse. Em momentos de encruzilhada
teórica, da escolha de caminhos a seguir, recorro ao velho barbudo, amado por
uns e odiado por outros, o que diria Karl Marx em relação à possibilidade de
análise de um fenômeno no qual você é, ao mesmo tempo, espectador e ator, tudo,
no calor dos acontecimentos, saindo e entrando de reuniões e assembléias. Na
Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (Introdução), Marx diz que a análise
crítica não é paixão da cabeça, mas a cabeça da paixão. Portanto, no meu
entender, não se trata de descartar a paixão, acredito que a paixão é
necessária em todas as ações humanas, a questão é subordiná-la a cabeça, a
análise racional.
O pano de fundo
objetivo das rebeliões ao redor do mundo é o agravamento da crise social e a
ausência de alternativas políticas organizadas. Segundo, István Mészáros, o
capitalismo vive uma crise estrutural e entrou em sua fase final de decadência,
ou seja, não conheceremos mais longos períodos de crescimento econômico. Em
2008, o mundo conheceu o significado da crise, e três anos depois, em 2011,
ocorreram diversos movimentos sociais de protesto com reivindicações peculiares
em cada região, mas com formas de luta semelhantes. Aos interessados no tema
indico o livro Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas. São Paulo:
Boitempo, 2012. No início de 2011, aconteceu a chamada Primavera Árabe quando
milhares de pessoas foram às ruas pelo fim das ditaduras em países da África do
Norte (Tunísia, Egito, Líbia e Iêmen). O movimento assumiu o caráter de
revolução democrática. Em 20111, as ruas das principais cidades da Espanha
foram tomadas pelo Movimento dos Indignados contra o desemprego, a desiguladade
social e a falta de perspectivas aos jovens. Em Portugal, o movimento ficou
conhecido como Geração à Rasca, e na Grécia, tivemos a ocupação da praça
Syntagma. Detalhe: todos esses movimentos foram promovidos e coordenados por
jovens, em sua maioria, entre 18 a 25 anos. Ainda em 2011, no Chile, cerca de
quatrocentos mil estudantes foi às ruas reivindicar educação pública e
gratuita. O movimento colocou uma pá de cal no ideário de privatização das
políticas neoliberais, justamente no berço da primeira experiência de governo
neoliberal do mundo. O mais importante movimento, ocorreu no coração do
capitalismo com o Occupy Wall Stret em New York. Estima-se que aproximadamente
quinze mil pessoas participaram da ocupação com um público bem diversificado
composto por hippies, punks anarquistas, desempregados, veteranos de guerra,
estudantes, pobres, sindicalistas, juventude desencantada etc.
As formas de
organização e ação desses movimentos sociais são semelhantes as estratégias
utilizadas pelos estudantes da Unidade Universitária de Campo Grande,
salvaguardadas as proporções quantitativas e o alcance das exigências
reivindicatórias do nosso cantinho do mundo. Os movimentos recusam as
articulações políticas do espaço institucional tradicional. O movimento
grevista dos alunos não possui nenhuma vinculação político partidária e nem
sindical. Assistam a reunião que os alunos fizeram com o reitor da UEMS no escritório
em Campo Grande, disponível no You tube. Os movimentos são pacíficos e recusam
a adoção de táticas violentas e ilegais, evitando, assim, a criminalização. Vi
alunos da UEMS distribuindo velhos crisântemos. Os movimentos não possuem uma
liderança única e centralizadora. Quanta diferença da minha época de movimento
estudantil quando as lideranças faziam acordos na calada da noite. E, por fim,
os movimentos sociais utilizam as redes sociais, Facebook e Twiter, como forma
de comunicação e organização. Todas as informações, entrevistas, vídeos de passeatas
e manifestações estão disponíveis no Facebook movimentoacademicodauems.
É necessário apontar
também uma grande diferença entre os diversos movimentos sociais citados e o
movimento grevista da UEMS. Eles foram compostos por milhares, milhões de
pessoas, nós, ainda, somos tímidas centenas. Convido os leitores a conhecerem
e, quiçá, participarem do movimento. Dirijo-me, em especial, aos camaradas
(redatores do Jornal O Marginal) que sempre estiveram a favor dos movimentos
sociais e das lutas dos trabalhadores para que venham somar conosco. Aos
outros, nossos colegas de trabalham, que possuem outra maneira de analisar a
questão - sempre há os que pensam diferentes -, deixo todo o meu carinho e
respeito. Mas, por favor, não maculem a história. Ouvi uma pessoa falar numa
assembléia que a greve nunca trouxe nada de bom. Certamente não trouxe nada de
bom para os capitalistas, mas os direitos trabalhistas foram frutos das lutas
dos trabalhadores. Durante a Primeira revolução Industrial, as jornadas de
trabalho chegaram a 12, 13, 16 horas diárias; pensem nas greves do ABC paulista
no final dos anos 70 e a sua contribuição ao processo de redemocratização do
país. Os livros estão disponíveis, não vou me alongar em exemplos.
Acredito, sinceramente,
que em termos de organização e mobilização os professores têm muito o que
aprender com os alunos. Como diz
Brecht na peça A vida de Galileu:
Brecht na peça A vida de Galileu:
“Vi o que é raro se ver
Um professor que quer
aprender”.
Não é um despropósito
pedir para que cessem as piruetas retóricas, ou análises de conjuntura
restritivas, na tentativa de defender o indefensável. Se a causa é justa,
democrática e pacífica merece o nosso apoio. Abram seus olhos para o que está
acontecendo no mundo e na Unidade de Campo Grande. Deixe o clamor das ruas
entrarem pelos ouvidos, passarem pelo coração e chegarem à cabeça, a cabeça da
paixão.
Professor Paulo Edyr Bueno de Camargo
Unidade Universitária de Campo Grande
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