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O DILEMA DA AUTONOMIA UNVERSITÁRIA NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS
Iniciamos nossa reflexão comentando de maneira sucinta, segundo o historiador e educador argentino Aníbal Ponce (1898-1938), a universidade moderna (Universal) nasceu junto a grandes centros urbanos. Inicialmente era a reunião de livres homens que se propunham ao cultivo da ciência, em consonância com a expansão do comércio e a compreensão da burguesia em criar uma nova forma intelectual de conhecer e pensar o mundo.
O exemplo disso é a universidade de Bolonha (norte da Itália), os estudos jurídicos; a universidade de Salerno (sul da Itália), os estudos sobre as práticas médicas, e em Paris, os estudos sobre Teologia e Filosofia. Verificamos que foi a partir da consolidação na Europa, do Estado-Nação, que a universidade foi reconhecida como instituição social. Cuja característica se funda no reconhecimento público e legitimada como uma prática e/ou ação social. A sociedade lhe conferia autonomia face à religião e ao Estado, na ideia autônoma de um conhecimento guiado pela sua própria lógica, pelas necessidades derivadas do saber sob o ponto de vista de suas descobertas, invenções e transmissão. Nesse sentido, a universidade européia tornou-se inseparável da ideia de formação, criação e crítica, consequentemente tornando-se uma instituição autônoma e democrática na sua estrutura e ordenamento, regras, normas e valores de reconhecimento e legitimados pelas suas instâncias internas, no concurso público democrático de direitos sociais nas áreas de educação e cultura.
Trazendo a reflexão para a universidade brasileira (singular), notamos que a mesma foi concebida como instituição pública e laica, conquistando sua legitimidade com base na ideia de autonomia do saber científico, em relação à Igreja e ao Estado. E é essa autonomia que possibilita a universidade relacionar-se com a sociedade e o Estado de forma democrática. Todavia, a filósofa e historiadora Marilena Chauí (2003) – A universidade pública sob novas perspectivas – afirma que tal relação vem: “de maneira conflituosa, dividindo-se internamente entre os que são favoráveis e os que são contrários à maneira como a sociedade de classes e o Estado reforçam a divisão e a exclusão sociais, impedem a concretização republicana da instituição universitária e suas possibilidades democráticas”.
Nesse sentido é que necessitamos ler criticamente o Estado brasileiro, entender a forma conservadora da “cultura senhorial”, do autoritarismo, de onde advém o predomínio do espaço privado sobre o público e, tendo como centro a hierarquia familiar, trazendo a marca dos aspectos culturais nas relações sociais subjetivas, entre um superior, que manda, e um inferior, que obedece. Marilena Chauí (2001) – Escritos sobre a universidade – discorre sobre os principais traços de nosso autoritarismo social, marcado pelo núcleo familiar: “Nela se impõe a recusa tática (e, às vezes explícita) para fazer operar o mero princípio liberal da igualdade formal e a dificuldade para lutar pelo princípio socialista da igualdade real: as diferenças são postas como desigualdades e, estas, como inferioridade natural (no caso das mulheres, dos trabalhadores, negros, índios, migrantes, idosos) ou como monstruosidade (no caso dos homossexuais). Está, também, estruturada a partir das relações familiares de mando e obediência, nela se impõe a recusa tácita (e às vezes explícita) de operar com o mero princípio da igualdade jurídica e a dificuldade para lutar contra formas de opressão social e econômica: para os grandes, a lei é privilégio; para as camadas populares, repressão. A lei não deve figurar e não figura o pólo público do poder e da regulação dos conflitos, nunca definindo direitos e deveres dos cidadãos, porque a tarefa da lei é a conservação de privilégios e o exercício da repressão. Por esse motivo, as leis aparecem como inócuas, inúteis ou incompreensíveis, feitas para serem transgredidas e não para serem transformadas”.[...] “Compreende-se portanto, a impossibilidade de realizar a política democrática baseada nas ideias de espaço público, cidadania e representação – esta é substituída pelo favor, pela clientela, pela tutela, pela cooptação ou pelo pedagogismo vanguardista”.
Enfatizar a digressão histórica do Estado brasileiro é criar as condições reais, para alimentarmos nossas esperanças em torno de uma universidade autônoma de direito. Não tomemos a educação pública universitária de forma anacrônica, como um gasto público, mas como investimento social e político, como direito social e não como privilégio e serviço. Entender que é pela destinação do fundo público aos direitos sociais que se mede a democratização do Estado.
Portanto, a autonomia universitária* é uma conquista histórica que exerce funções de caráter ético e político como patrimônio público legal, respondendo às necessidades no campo educacional, por meio do ensino, pesquisa e extensão, no conhecer e pensar cientificamente os problemas da nossa sociedade. Importante tributo social e democrático, todavia, mal compreendida pela elite governante, dita burguesia brasileira, onde o ideal de sociedade distorcido da realidade humana, ainda é o único horizonte.
*Constituição Federal de 1988, no seu Artº 207: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre o ensino, pesquisa e extensão”.
Dr. José Barreto dos Santos - zecajbs@uol.com.br
Professor da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul/UEMS – Unidade de CG
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